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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Egas Moniz e a sua Lobotomia

Egas Moniz na apresentação dos resultados da angiografia

No passado dia 12 de novembro de 2015 comemoraram-se 80 anos da realização da primeira lobotomia ou leucotomia levada a cabo por Egas Moniz. Esta levantou vários protestos no mundo da Medicina, porém foi a única operação que resultou num prémio científico para o nosso país.
Na manhã de 12 de Novembro de 1935, em pleno Hospital de Santa Marta, um acontecimento muda a história da Ciência a nível mundial. Trata-se da realização da primeira lobotomia num paciente ainda vivo, contrariamente às anteriores experiências em cadáveres. Esta operação foi levada a cabo pelo médico português Egas Moniz, muito prestigiado na altura.
Para a história entraram apenas as iniciais “M.C” que se deduz que seja o nome da paciente Maria do Carmo. Pensa-se que teve uma infância muito dolorosa possuída por múltiplos vícios e problemas, porém foi admitida no Hospital dos Alienados em 1910 a fim de se submeter à primeira lobotomia.
Quando chega o dia da operação M.C. tem 63 anos e um diagnóstico de “melancolia involutiva, ansiosa e paranóide”. Egas Moniz descreve todo o processo. Não andava à procura de nenhuma psicose em particular para tratar, queria ver se a sua hipótese de tratamento alterava sintomas psíquicos. Tinha a sua teoria para os delírios “mórbidos”: se o cérebro funciona pelo accionamento de ligações entre neurónios, explicava, em doentes mentais graves, determinadas ligações neuronais estariam demasiado fixas. Destruindo esses arranjos, ficariam livres.
Furar o cérebro Como o lobo pré-frontal era a área cerebral que mais se destacava no cérebro humano, mesmo em relação a outros mamíferos, Egas Moniz defendeu que era aí que importava intervir, eliminando células do seu centro oval tanto no hemisfério esquerdo do cérebro como no direito – estudos da época com feridos e doentes com tumores cerebrais mostravam que intervir apenas num lado não produzia efeitos.
Para fazer os cortes, cirurgia que internacionalmente viria a ficar conhecida como lobotomia mas a que o médico português chamou leucotomia, havia várias hipóteses. Nos primeiros dez doentes usaria injecções de álcool absoluto, capaz de destruir o tecido nervoso. Depois, para maior precisão, inventa um instrumento de corte a que chama leucótomo. Uma haste de 11 cm com uma ansa na ponta, para cortar e puxar a massa a remover. Apesar de não haver regras sobre ensaios clínicos, Egas Moniz defendeu que primeiro os cirurgiões deviam treinar em animais e a sua equipa fê-lo também com cadáveres humanos. Não guiava por causa da gota, mas comentava com o motorista o que diria a polícia se os visse com as cabeças cedidas pela anatomia na bagagem do carro, no percurso que fez muitas vezes da faculdade até ao hospital.
Falando especificamente no acontecimento, na manhã daquele 12 de Novembro Egas Moniz estava muito motivado e determinado a realizar a cirurgia, pois era o culminar de dois anos de reflexão sobre as consequências da operação e do modo da sua realização a primeira lobotomia aconteceu.
Despedida do Hospital de Santa Marta em 1944
De facto, foi um acontecimento de extrema importância para a medicina portuguesa e mundial, pois sendo cérebro uma zona tão delicada e constando os avanços tecnológicos da época, foi uma situação muito reveladora.
No final da operação, Maria do Carmo não apresentava muitas queixas, logo foi dada como sucesso. Após a apresentação de tal feito á comunidade mundial de medicina Egas Moniz ganhou o Prémio Nobel da Medicina em 1935, data em que depois da primeira experiência realizada com sucesso, Moniz e a sua equipa operaram mais vinte doentes. É de tamanha importância referir que se trata do único Prémio Nobel de Medicina para Portugal.
Egas Moniz formou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1899, e defendeu a tese de licenciatura em 1900. Em 1901 prestou provas de doutoramento e em 1902 entrou para o quadro docente como professor substituto.
Inicialmente trabalhou nas disciplinas de Anatomia, Histologia e, mais tarde, de Patologia Geral. Em 1910 tornou-se professor catedrático. Em 1911 transferiu-se para a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde ficou responsável pela cadeira de Clínica Neurológica. Abriu consultório em Lisboa e começou a fazer deslocações regulares a outros países, principalmente a França.
As suas duas descobertas mais importantes foram a angiografia cerebral, conseguida em 1927 e a leucotomia pré-frontal, concretizada em 1935. A primeira foi premiada com o Prémio de Oslo de 1945 e a segunda com o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1949.
Para conseguir fazer a angiografia cerebral, Egas Moniz fez muitas experiências, na tentativa de encontrar substâncias que pudessem ser injectadas nas artérias do cérebro de forma a tornar visíveis os vasos cerebrais nas radiografias. A opacidade conseguida com a injecção desses produtos permitiria obter um contraste, detectar tumores cerebrais e assim facilitar o seu tratamento. Foi em 28 de Junho de 1927 que Egas Moniz obteve a primeira arteriografia do corpo humano vivo. Este feito deu-lhe um grande prestígio internacional e veio a ser muito importante na divulgação do seu trabalho de investigação posterior no domínio da psicocirurgia.
Após este conjunto de trabalhos de investigação, Egas Moniz passou a dedicar-se a um outro projecto de tratamento de algumas doenças mentais que constituíam um dos alvos prioritários da medicina neurológica da época, antes do desenvolvimento da farmacologia e dos psicotrópicos. Pensava ser possível tratar algumas doenças por meios físicos, através do corte das fibras de ligação entre os neurónios. Este tratamento seria feito nos lobos pré-frontais.
Mesa onde Egas Moniz fez as primeiras angiografias
Este tratamento foi classificado como leucotomia pelo próprio Egas Moniz. Embora inicialmente tenha utilizado um método que consistia na introdução de álcool puro, posteriormente passou a utilizar um instrumento especial, a que chamou leucótomo, com o qual se cortava uma pequena esfera da substância branca dos lobos pré-frontais. Estas intervenções eram realizadas pelo cirurgião Almeida Lima, principal colaborador de Egas Moniz. Este método teve uma rápida divulgação e aplicação em diversos países.
A leucotomia foi depois transformada e desenvolvida pelo americano Walter Freeman, cujo método ficou conhecido por lobotomia. Estes métodos levantaram muita controvérsia principalmente a partir dos anos 50, quando começaram a existir alternativas de tratamento da esquizofrenia através de medicamentos farmacológicos. A imagem negativa da lobotomia e a sua identificação muitas vezes abusiva com a leucotomia está intimamente relacionadas com a metodologia de actuação de Freeman, que fez uma verdadeira ‘campanha’ de lobotomização pelos Estados Unidos, onde realizou mais de 3500 operações, no que foi imitado por muitos outros psicocirurgiões em diversos países. Embora a leucotomia e a lobotomia sejam métodos hoje em dia praticamente abandonados, a controvérsia continua aberta.
Como afirmou Lobo Antunes, em 2001,  “continua ainda hoje a ser motivo de controvérsias, muitas vezes alimentadas mais pelos preconceitos e pela ignorância de quem a ataca do que por uma interpretação explicativa rigorosa, que coloque a descoberta de Moniz na correta perspetiva histórica”.

Autores:

Catarina Du, 9ºB
Domingos Santos, 9ºB
Jorge Andrade, 9ºB